quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Os valores da nossa “élite”.

Em clima de feriadão, elaborei um decálogo para quem queira disputar espaço na “élite” nacional. Porque, convenhamos, elite mesmo é outra coisa, é Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues, Eduardo das Neves, Santos Dumont, Bartolomeu de Gusmão, Chico Buarque, Chiquinha Gonzaga, Maísa, Elis Regina, Gilda de Mello e Souza, Tarsila do Amaral, Pagu, só pra começar...

Eu já escrevi alhures que o Brasil tem uma elite e uma “élite”.


Nossa elite é formada por gente como José de Alencar, Machado de Assis, Maria Esther Bueno, Tostão, José Mindlin, Carvalho Pinto, Celso Furtado, Didi, Daiane dos Santos, Maria da Conceição Tavares, Luis Gonzaga Belluzzo, Raymundo Faoro, Antonio Candido, Chico de Oliveira, Abdias do Nascimento, Marilena Chauí, Anita Garibaldi, Sepé Tiaraju, Zumbi, Tiradentes, Maria Quitéria e por aí foi e vai por este Brasil afora e adentro.

Já a nossa “élite”... são aqueles que acham que são a nossa elite. Que detestam abrir a janela e dar com bananeiras ao invés de pinus eliótis. No máximo temos aqueles pinheiros recurvos e tronchos, em forma de taça. Detestam sair à rua e encontrar nosso povo com cara de povo e não uma paisagem de calendário impresso na Suíça.

Mas enfim, é a “élite” que temos.

Assim, imaginei alguns mandamentos para quem queria nela entrar.

1. Use frases como: “se este fosse um país minimamente sério...”, “se este fosse um país civilizado...”.

2. Não fale alto, mas esteja convencido de que você deve adorar transporte coletivo – na Europa, é claro. Porque aqui, quanto mais espaço pra carrão importado e menos pra corredor de ônibus, melhor.

3. Despreze tudo o que for nacional. E adore tomar vinho europeu de quinta categoria pagando os tubos na seção de importados.

4. Desenvolva urticária ao ouvir falar em “América Latina”, “Mercosul”, “Evo Morales”, “Hugo Chavez”. “América Latina” é coisa do tempo de “poncho e conga”, lembra? Sonhe com a Alca, acordos unilaterais com os Estados Unidos, e outras coisas assim elevadas. Quem sabe alguns bairros de S. Paulo e mais algumas ruas selecionadas no país poderiam ser admitidos na União Européia?

5. África, então, dá irisipela. Nem pensar. Governo Lula? Cruzes! Tome Engov.

6. Ache o fim do mundo as sacolas dos sacoleiros que vão ao Paraguai. Bom mesmo é saco de supermercado de Miami.

7. Só freqüente restaurante que não sirva caipirinha de pinga. Caipirinha, só caipiroska, mesmo que a vodka seja de oitava categoria.

8. Considere que “corrupção” é coisa de e para pobre. Se for nordestino e tiver a pele escura, melhor ainda. Tem até pesquisa acadêmica corroborando isso...

9. Suspire nostalgicamente pelo tempo em que empregada doméstica só podia pegar o elevador de serviço.

10. Não leia a Carta Maior. Nem o Correio da Cidadania. Nem a Revista do Brasil. Ou a Carta Capital. Ou o Brasil de Fato. Ou qualquer coisa semelhante. Se ler, é para desancar, chamar de chapa branca pra baixo. Imprensa, só a grande. Mesmo que esteja cada vez mais marrom.

E boa sorte. Inclua-nos fora disso, e aproxime-se pra lá.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ótima critica Rodrigo. =}

Nossos valores estão realmente defasados. Para que valorizar o “nacional” se vivenciamos uma realidade de injustiças sociais? Mas fácil glorificar o que vem de fora, do primeiro mundo, do que arregaçar as mangas e fazer algo de positivo para o nosso País. Somos "dominados" ou por que não dizer “adestrados” por uma minoria que dita as regras enquanto a maioria os segue, sem nem mesmo ter condições para fazê-lo diante de sua situação totalmente desfavorecida. Quem sabe com um pouco menos de individualismo as coisas mudassem. Glorificamos os ídolos errados, começamos (ensino a nossas crianças) e terminamos (punição a pessoas que cometem delitos) errados. A base desse País precisa mudar, mas se a "elite" não tem interesse e a minoria pobre apenas os segue como mudar? Bem...Brasileiro só tem amor a pátria e as “conquistas” e “lutas” nacionais quando essas coisas estão relacionadas a futebol, que me desculpem os aficionados, mas a realidade é essa.

Beijos querido.