segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

uma transição de paradigma

Transformo este meu último post do ano em uma oração:
Senhor, rei do universo
rei de todas as forças vivas
rei de todos os pensamentos...
dissipa em meu coração a luz
invade a minha alma com a reconciliação profunda.
Nada no mundo poderá me fazer mal
estou leve
livre
para viver grandes coisas
meu espírito se liberta
minha alma celebra
meu mundo se transforma

Que a benção do universo esteja comigo
e com aqueles que eu amo.

sábado, 29 de dezembro de 2007

Dualismos

O Bem não pode existir sem o Mal e quando se aceita um Deus, então tem de se dar, por outro lado, um lugar equivalente ao Demônio. Isto é o equilíbrio. Vivo desta dualidade. Mas isso também não parece ser permitido. As pessoas tornam-se logo tão profundas sobre estas coisas, que em breve deixam completamente de perceber. Na realidade, porém, é muito simples: branco e preto, dia e noite -
Rodrigo Araújo

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Caçador de mim

"Eu antes tinha querido ser os outros para conhecer o que não era eu. Entendi então que eu já tinha sido os outros e isso era fácil. Minha experiência maior seria ser o âmago dos outros: e o âmago dos outros era eu."
Clarice Lispecto, faço as suas as minhas.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Natal especial

Hoje é véspera de Natal e muitos já publicaram suas reclamações a respeito da programação sempre e sempre igual dessa época do ano. Alguns filmes bíblicos, alguns concertos e o show do Rei, que irá ao ar amanhã.

Para quem não tem outra alternativa a não ser ficar diante da TV, eu nem diria que a programação é ruim. Não é pior do que em outros dias e, alguns especiais, que muitos podem achar que não trazem nada de especial, são, sim, mais caprichados.

O que é muito triste mesmo é ter de ficar na frente da TV no dia 24 e/ou 25 de dezembro.

E nesse casos, meus caros, um filme bíblico, para quem não está acostumado ao gênero, pode ser bem enriquecedor e, dependendo do filme, pode ser bem engraçado. Guardando o devido respeito ao tema, muita bobagem foi produzida. Temas do Velho Testamento eram os prediletos. Eu costumo dizer que naquela época tudo era mais simples porque Deus falava com as pessoas e não deixava dúvida de que vivia no céu e o céu estava sempre acima de nossas cabeças. Em muitos filmes ouvimos a voz de Deus, falando com Moisés, com Abrahão, com Noé. E sempre a voz vem de cima e sempre tonitroante. O fato de vir do alto facilita muito a filmagem. Se viese por de trás de uma árvore, com certeza o espectador não iria se conformar e iria gritar na sala: "Vai lá, Noé! Vai atrás da árvore e mostra pra gente como é o rosto de Deus".

Acredito que o próprio Noé ficaria tentando ver a face de Deus e a cena, que deveria ter o peso de uma ordem divina, ficaria cômica.

De volta ao Natal na telinha, um concerto com uma grande orquestra e um excelente maestro é bom programa em qualquer momento do ano.

E o show do Rei é sempre o show do Rei.

Muitas vezes associamos a imagem do telespectaor a um ser solitário e deprimido, principalmente nessa época do ano. E essa imagem pode não ter um segundo de verdade. Em minha família, assistir ao show do Roberto Carlos - naquele tempo nos referímaos a ele dessa maneira - era um evento. E eu lhes garanto que era uma festa e tanto. Tinha boa comida, tinha boa bebida, tinha boas risadas e os momentos todos que o show oferecia e que recebíamos de coração aberto, sem o excesso de críticas que hoje temos e fazemos.

Era bom ouvir o Rei. Era bom estar com a família. E para a minha família, o Natal sempre foi especial.

A todos que não estão na frente da telinha da TV mas estão na frente da telinha do computador, eu desejo um Natal com muita alegria, paz, mesa farta e uma árvore lotadinha de presentes.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Somos que nem lobos!


Somos que nem lobos "Lobos não gritam. Eles têm a aura de força e poder. Observam em silêncio. Exatamente por isso, o primeiro e mais óbvio sinal de poder sobre si mesmo é o silêncio em momentos críticos. Se for uma discussão que já deixou o terreno da razão, quem silencia mostra que já venceu, mesmo quando o outro lado insiste em gritar a sua derrota." Apodere-se de si mesmo e vença.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

A descoberta

Quando você descobre no meio do mundo que existe alguém diferente? O que você faz? Simplesmente percebe que essa descoberta vive um dualismo. Uma parte dela é diferente, criativa e livre não quer ficar dentro da casca do ovo e a outra parte é pronviciana, metódica e ideologicamente conservadora.

Um lado dessa descoberta é fascinante vive o momento na sua intensidade, aceita os riscos naturais da vida e não se aprisiona no mundo estigmatizado pelas neursoses e aflições dos provincianos.

A outra parte é provinciana, se limita ao superficial e não consegue olhar depois dos olhos. Só olha o que vê, só enxerga o palpável. Não avança no limite infinito. Não rompe as barreiras inexoráveis e não descobre o "preço do ser humano". Essa parte não se abre ao novo. Prefere pagar o preço do estigma social, familiar e religioso do que se abrir para o real do mundo.

Em um mesmo corpo duas histórias. Em uma mesma alma dois projetos. O projeto da liberdade é o que me fascina. A mulher ousada que ama sem limites, que sorri sem pudor e que ao som dos bandolins é capaz de dançar na lua cheia, na chuva e na imensidão da vida.

Eis tudo!

(Rodrigo Araújo)

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Aos que me amam;

Peço àqueles que me amam
intensamente,
que aguardem pacientemente
do lado de fora.
Se a porta não abrir
E o tempo passar,
É melhor desistir e ir embora.
Fiquei com aqueles que me fazem amar.

(Flora Figueiredo)

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Os valores da nossa “élite”.

Em clima de feriadão, elaborei um decálogo para quem queira disputar espaço na “élite” nacional. Porque, convenhamos, elite mesmo é outra coisa, é Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues, Eduardo das Neves, Santos Dumont, Bartolomeu de Gusmão, Chico Buarque, Chiquinha Gonzaga, Maísa, Elis Regina, Gilda de Mello e Souza, Tarsila do Amaral, Pagu, só pra começar...

Eu já escrevi alhures que o Brasil tem uma elite e uma “élite”.


Nossa elite é formada por gente como José de Alencar, Machado de Assis, Maria Esther Bueno, Tostão, José Mindlin, Carvalho Pinto, Celso Furtado, Didi, Daiane dos Santos, Maria da Conceição Tavares, Luis Gonzaga Belluzzo, Raymundo Faoro, Antonio Candido, Chico de Oliveira, Abdias do Nascimento, Marilena Chauí, Anita Garibaldi, Sepé Tiaraju, Zumbi, Tiradentes, Maria Quitéria e por aí foi e vai por este Brasil afora e adentro.

Já a nossa “élite”... são aqueles que acham que são a nossa elite. Que detestam abrir a janela e dar com bananeiras ao invés de pinus eliótis. No máximo temos aqueles pinheiros recurvos e tronchos, em forma de taça. Detestam sair à rua e encontrar nosso povo com cara de povo e não uma paisagem de calendário impresso na Suíça.

Mas enfim, é a “élite” que temos.

Assim, imaginei alguns mandamentos para quem queria nela entrar.

1. Use frases como: “se este fosse um país minimamente sério...”, “se este fosse um país civilizado...”.

2. Não fale alto, mas esteja convencido de que você deve adorar transporte coletivo – na Europa, é claro. Porque aqui, quanto mais espaço pra carrão importado e menos pra corredor de ônibus, melhor.

3. Despreze tudo o que for nacional. E adore tomar vinho europeu de quinta categoria pagando os tubos na seção de importados.

4. Desenvolva urticária ao ouvir falar em “América Latina”, “Mercosul”, “Evo Morales”, “Hugo Chavez”. “América Latina” é coisa do tempo de “poncho e conga”, lembra? Sonhe com a Alca, acordos unilaterais com os Estados Unidos, e outras coisas assim elevadas. Quem sabe alguns bairros de S. Paulo e mais algumas ruas selecionadas no país poderiam ser admitidos na União Européia?

5. África, então, dá irisipela. Nem pensar. Governo Lula? Cruzes! Tome Engov.

6. Ache o fim do mundo as sacolas dos sacoleiros que vão ao Paraguai. Bom mesmo é saco de supermercado de Miami.

7. Só freqüente restaurante que não sirva caipirinha de pinga. Caipirinha, só caipiroska, mesmo que a vodka seja de oitava categoria.

8. Considere que “corrupção” é coisa de e para pobre. Se for nordestino e tiver a pele escura, melhor ainda. Tem até pesquisa acadêmica corroborando isso...

9. Suspire nostalgicamente pelo tempo em que empregada doméstica só podia pegar o elevador de serviço.

10. Não leia a Carta Maior. Nem o Correio da Cidadania. Nem a Revista do Brasil. Ou a Carta Capital. Ou o Brasil de Fato. Ou qualquer coisa semelhante. Se ler, é para desancar, chamar de chapa branca pra baixo. Imprensa, só a grande. Mesmo que esteja cada vez mais marrom.

E boa sorte. Inclua-nos fora disso, e aproxime-se pra lá.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

A tropa da violência extrema

O filme "Tropa de Elite" tem o mérito de mostrar a corrupção policial e o demérito de celebrar a violência extrema. Navega no fio de uma navalha, respingando sangue para todos os lados. Seus expectadores parecem gostar, porém, não é ainda possível avaliar a real repercussão.

Nas normas do fascismo líquido, a acusação de fascista cabe para muita gente e, ao mesmo tempo, para ninguém. Este líquido que corre nas vias de transmissão comunicacional da sociedade brasileira permite que muitos sejam fascistas, sem saber que o são, no compasso de outros que verdadeiramente o são, sabendo o que são e achando que estão cobertos de razão. A tragédia deste novo tipo de politização, que esquece o passado e acha que o presente é o que importa, mantém o mito que as atitudes que vemos no filme Tropa de Elite em nada se assemelham a tão velha SS nazista.


Na verdade, são na origem fascistas todos os que comungaram com a nossa brasileiríssima ditadura militar (1964-1985). Alguns poucos deles fazem parte, infelizmente, da base de apoio do governo Lula. Outros estão no Congresso Nacional e ainda outros estão em inúmeros órgãos públicos civis e militares. Ainda outros, estão fora do Estado, mas pertencem a uma sociedade que tentaram dobrar, torcer e impedir que florescesse. Estão impunes frente a uma Justiça ainda sem equidade e contando com a tolerância de um povo acostumado a perdoar e submisso aos seus desígnios, jamais decididos a partir de suas opções.

Como por aqui não houve a cobrança das responsabilidades pelas mortes, torturas e outros crimes da época, há até quem se diga hoje democrata e busque apagar o seu passado de adesão ao terror de Estado. Infelizmente, existem, outrossim, os convertidos, isto é, os que foram vítimas da ditadura e agora a celebram, como se o passado nada importasse para suas vidas. Esta situação é, por vezes, difícil de compreender e ainda mais de aceitar. Faz parte da geléia geral do Brasil, país com imensas contradições, que não são facilmente assimiláveis por quem pratica o hábito de pensar para além de seu nariz.

Por isto, o Tropa de Elite que pôde ser visto por milhões – graças à pirataria –, e poderá depois ser exibido como troféu pela mídia convencional, vem passando quase incólume por um possível julgamento público de nossa história recente. A miséria, na mesma obra, é vendida como natural, em imagens de impacto radical, sobre as condições de vida dos pobres brasileiros. As pessoas são miseráveis e carentes de tudo e algumas delas transformam-se - não se sabe hipocritamente porquê - em criminosos violentos. Segundo o filme, a solução é matá-las, como exemplo, com o maior requinte de perversidade possível.

A questão dos direitos humanos, de acordo com a mesma argumentação desenvolvida na película, consiste em uma alegação de brancos drogados das classes médias. Nada mais insultante, inverídico e portador de uma imensa intriga, com o claro objetivo de desacreditar os militantes brasileiros e estrangeiros da causa dos direitos humanos.

Combater a corrupção policial seria, segundo o mesmo trabalho, optar pelo Capitão Nascimento, alguém que seria contra a corrupção, mas que volta o seu ódio contra os pobres, sobretudo contra aos jovens ligados ao tráfico de drogas nas miseráveis favelas cariocas. Nenhuma palavra contra o desemprego e a concentração de renda. A solução é apagar a mancha dos poucos que ousam desafiar o poder de Estado, mesmo que de forma alienada e conservadora. A tropa surge como solução ao caos da repressão oficial. Ninguém sabe como ela foi montada e nem por quê. Surgiu, de onde pode se depreender, da ‘banda boa’ da polícia, em contraposição a falada ‘banda podre’.

O filme tem o mérito de mostrar a corrupção policial e o demérito de celebrar a violência extrema. Navega no fio de uma navalha, respingando sangue para todos os lados. Seus expectadores parecem gostar, porém, não é ainda possível avaliar a real repercussão. Calcula-se que pelo menos três milhões que já teriam visto as cópias piratas, amplamente distribuídas pela Internet e que já geraram algumas prisões dos que permitiram a distribuição. E bem possível, que o filme responda aos anseios populares de crítica à corrupção de Estado e ao conservadorismo das classes médias que são bastante seduzidas pelo modelo de violência apregoada na mesma obra. Desde a época da escravidão brasileira, acredita-se na violência extrema como forma de reduzir os mais pobres à condição de mais absoluta submissão. A escravidão acabou em 1888, mas a ordem social brasileira continua se inspirando neste passado dantesco, que durou quatrocentos anos.

Os capitães do mato do passado foram substituídos pelas forças oficiais dos aparatos repressivos do mundo de hoje. O resultado é similar. Será que algum dia, a lógica do escravismo colonial brasileiro será superada? Ou este pesadelo atravessará ainda várias gerações? Confesso ao leitor a minha perplexidade. Não sei responder às questões que coloco para reflexão dos que querem pensar um Brasil mais humano e mais respeitoso dos direitos de sua gente.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

a sociedade de Padre cícero -Coronelismo e Messianismo


Nascido a 24 de março de 1844, no município vizinho do Crato (CE), desde cedo Cícero Romão Batista - o mito popular mais poderoso no Nordeste do País - gostava de ouvir histórias de santos. Depois de ler um livro sobre São Francisco de Sales, admirado com sua grandeza de espírito, fez voto de castidade. Pouco depois de sair do seminário, em 1870, foi designado pároco de Juazeiro, então um povoado com 12 casebres de alvenaria e uma capela. A rotina pacata de sacerdote no interior evaporou-se com a grande seca de 1889. O inverno não chegava e a população de Juazeiro fazia caminhadas de penitência pedindo a Deus que chovesse. Numa noite de março, o padre convidou os 500 habitantes do povoado para atravessar a madrugada orando e confessando. Às cinco da manhã, Cícero levantou-se do confessionário e foi distribuir a comunhão às oito beatas que permaneciam na igreja. Quando colocou a hóstia na boca da lavadeira Maria de Araújo, viu que a partícula branca começou a se transformar numa pasta de sangue, enquanto a mulher entrava em êxtase e caía desmaiada. No dia seguinte o fenômeno se repetiu. E também em todas as quartas e sextas-feiras, durante dois anos. O sangue que escorria da boca da beata era tanto que o padre o enxugava com os panos do altar. Médicos conceituados na região foram chamados para verificar o caso. Presenciaram o ato e atestaram que Maria de Araújo não apresentava nenhum ferimento na língua, nas gengivas ou na garganta. Daí em diante, Juazeiro tornou-se, definitivamente, um formigueiro humano.

O fenômeno gerou desconforto entre o clero cearense, que em 1894 o proibiu de exercer as funções de sacerdote até que se retratasse. Padre Cícero nunca desmentiu os fatos inexplicáveis. Apesar de ter recorrido à Cúria romana, jamais voltou a celebrar missas. Mas não deixou de ser o guia espiritual de milhares de sertanejos que partiam de todos os cantos do Nordeste com destino a Juazeiro. Padre Cícero passava o dia atendendo os fiéis em sua casa, sempre com a radiola ligada ao fundo, tocando música clássica, e um copo de suco de laranja ou chá de abacate pronto para seu deleite. Às seis da tarde, terminava o expediente com um sermão que reunia centenas de pessoas. A silhueta do padre aparecia na janela e sobressaía à chama de uma lamparina: “Quem bebeu não beba mais; quem matou não mate mais; quem preguiçou não preguice; quem pecou não peque.” Ao toque de suas mãos, reza a lenda, loucos ganhavam lucidez e prostitutas se regeneravam. Seguindo suas recomendações, enfermos se curavam e paralíticos voltavam a andar. “É preciso separar o mito da realidade. Como ele tinha muitos conhecimentos sobre ervas medicinais, recomendava um chá para cada doente e dava certo” disse Generosa Ferreira Alencar, 88 anos, única sobrevivente das dez órfãs que o sacerdote ajudou a criar. “Mas eu mesma testemunhei curas de tumores e paralisia infantil”, completa.

O lendário bastão do Padre Cícero não apontava apenas a saída para os maus caminhos que se apoderavam da vida dos fiéis. Também ditava as regras políticas da região. O religioso ocupou o cargo de prefeito de Juazeiro durante 12 anos. Em 1914 foi nomeado vice-governador do Ceará e, em 1926, elegeu-se deputado federal. “Mas eram seus secretários que governavam. Ele não tinha tempo nem querença pelo poder”, afirma o biógrafo Geraldo Menezes Barbosa, que conviveu com o padre até os dez anos de idade. Fraco e quase cego, embora sempre lúcido e atendendo os romeiros, Padre Cícero morreu a 20 de julho de 1934. Desde então, no dia 20 de cada mês, a população de Juazeiro do Norte se veste de preto em sinal de luto a seu patriarca e eterno conselheiro.

Estive em Juazeiro do Norte, município de 250 mil habitantes no sertão cearense, histórias de milagres não são privilégio dos dois romeiros. Andar pela cidade é um convite para ouvir relatos entusiásticos de graças alcançadas. Padre Cícero é nome de rua, sapataria, armazém, posto de gasolina, empresa de ônibus. Não é para menos. Ali, o religioso viveu durante 62 anos. E transformou-se num verdadeiro mito, atraindo mais de um milhão de fiéis por ano que não poupam sacrifícios para agradecer aos milagres recebidos.

O Coronel de batina

Em 1898, acusado de acobertar falsos milagres e estimular o fanatismo dos fiéis no sertão do Ceará, Padre Cícero teve seus votos sacerdotais confiscados pela Santa Sé. Anos mais tarde, já no fim da vida, chegou a ser punido com a excomunhão.

Há muito o beato do sertão converteu-se numa encrenca para a Igreja. O mito do “padrinho dos pobres” surgiu no Ceará em meados do século XIX. Datam desse período os primeiros relatos sobre um jovem sacerdote que chegava, em lombo de jegue, a lugarejos inóspitos para distribuir comida. Em 1877, o líder carismático, atarracado no físico e desabrido na fala, pregava que a sombra do juazeiro, árvore típica daquelas paragens, era uma bênção dos céus. E o solo onde brota seria a Terra Prometida. Suas palavras traziam alento à região que passava por uma das piores secas da história.

Fatos históricos ilustram a intimidade do religioso com as oligarquias do Nordeste. Juazeiro do Norte, no início do século XX, preparava-se para ter seu primeiro prefeito. Oito famílias dizimavam-se numa briga encarniçada pelo mando político. O “padim” resolveu a parada. Em conchavos com os caciques políticos do Estado, fez-se, ele próprio, prefeito biônico em 1911. Guindado ao cargo mais uma vez, acostumou-se a despachar de casa ou da sacristia – jamais do gabinete. “Era um homem dominador”, afirma o historiador cearense Geraldo Batista. “Estreou na política com a justificativa de que iria terminar com a guerra dos clãs. Tornou-se tão famoso quanto Lampião, o mais temido dos cangaceiros, ou Antônio Conselheiro, o revolucionário de Canudos.”

Na prefeitura, valeu-se de expedientes que, hoje, rendem a suspensão de mandatos coroados no Congresso. Em 1914, ganhou a confiança do teletipista do Crato, cidade vizinha de Juazeiro e sede da diocese. Graças a essa amizade, inaugurou a quebra do sigilo postal. De posse da correspondência trocada por figurões, azucrinou políticos e fazendeiros o quanto pôde. Tramou ao lado dos coronéis para derrubar Franco Rabelo, então governador do Ceará, protegido do presidente Hermes da Fonseca. No confronto, armou jagunços, colocando-se à frente de um exército de esfarrapados que chegou a cavar trincheiras em Juazeiro do Norte.

Populista, Intrasigente e coronel capaz de matar para permanecer no poder. Do outro lado fisiologista de primeira linha presenteava o povo com "esmolas" e se perpetuou até os dias de hoje no imaginário sofrido do sertanejo cearense.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

A saga de uma geração...

Somente o amor...
Somente o amor pode explicar a saga de uma geração
de uma florista apaixonada pela vida
por um homem humilde mais sincero que carregava no olhar o peso do mundo
nasceu daí uma mulher divina que o mundo deu o dom de ser mãe.

uma mãe mágica amada por uma tia Augusta e angelical
uma rosa muito amada que lá do Pará nos alimentou com seu amor
uma familia especial.

De gente decente e amiga
de palavras doces e eternas
de maternidades abençoadas e mágicas
de florista-avós que decora o céu
de augustas puras e verdadeiras
e de antonios humildes e siceros.

Que a magia dessa familia brava nos cubra
a cada dia com a certeza de que os percalços podem até surgir
mas que no final...

Somos um povo vencedor!!!

terça-feira, 11 de setembro de 2007

PRISÃO PREVENTIVA E A CONFUSÃO DA OPINIÃO PÚBLICA

PRISÃO PREVENTIVA E A CONFUSÃO DA OPINIÃO PÚBLICA

Autora: Dra. Renata Pimenta de Medeiros
Depois da vida, é a liberdade nosso maior bem.
Esta é a regra: liberdade do ser humano. O Estado tem como dever garanti-la.
Quando falamos em ser humano, em individualidade e em sociedade, não podemos deixar de falar, também, no lema "Liberté, Egalité, Fraternité", ou seja, "Liberdade, Igualdade, Fraternidade" usado na Revolução Francesa, em 1784, o qual retratava que os homens nascem e permanecem livres e iguais nos direitos. A liberdade é considerada um direito natural.
Todo ser humano é livre, e ninguém pode, por sua simples vontade, retirar-lhe esse direito.
A exceção é a prisão, e é a Lei que determina quando um cidadão deve ou não ser preso.
Existem pelo menos quatro tipos de prisão: flagrante, temporária, preventiva e a definitiva. Atentaremos-nos aos dois últimos tipos, a prisão definitiva e a preventiva, pois elas conduzirão o presente trabalho.
Para caracterizar estas duas espécies de prisão, existem dois fatos, distintos entre si.
Na prisão definitiva, o fato caracterizador é somente a punição por um crime, que já fora processado e julgado, e de cuja sentença não caiba recurso com efeito suspensivo. Conclui-se então que podem ser presas definitivamente e em caráter punitivo as pessoas que forem condenadas por prática de crimes; sendo impossível este tipo de prisão até que haja o julgamento e a condenação.
Já o fato que caracteriza a prisão preventiva é a existência de requisitos previstos em Lei, mais precisamente no art. 312 do Código de Processo Penal – CPP, que autorizam a execução de uma medida cautelar excepcional.
Aqui não há que se falar em punição; apenas em medida cautelar preventiva.
Ocorre que, em razão do que é equivocadamente divulgado por autoridades competentes, e reforçado irresponsavelmente por meios de comunicação, a opinião pública é afetada e confundida quanto essas duas modalidades de prisão.
Leva-se a crer que o fato caracterizador da prisão preventiva é a punição por crime cometido; ou seja, o criminoso estaria, antes mesmo de seu julgamento “pagando pelo crime que cometeu”.
Influencia-se a população e causa-se clamor público, mesmo sendo a prisão definitiva e a prisão preventiva tão inconfundíveis e distintas entre si.
Conforme anteriormente mencionado, a prisão preventiva é fundamentada por regras existentes no artigo 312 do CPP.
Esses requisitos, independentemente da natureza ou gravidade do crime, são imprescindíveis para a autorização da prisão preventiva, quais sejam: garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal.
As garantias da ordem pública e da ordem econômica estão ligadas a real e intensa perspectiva de existência de novos delitos. Havendo evidente perigo social decorrente da demora em se aguardar o trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser decretada a prisão preventiva.
A conveniência da instrução criminal liga-se principalmente à provas circunstanciais de que o réu venha a intimidar testemunhas ou ocultar provas. Evidente aqui o periculum in mora pois não se chegará à verdade real se o réu permanecer solto até o final do processo.
Já na prisão decretada para garantir a aplicação da lei penal, o próprio nome esclarece sua função. Será utilizada para, em caso de iminente fuga do agente do distrito da culpa, evitar inviabilização da futura execução da pena.
Sem a presença se tais requisitos, não há que se falar em decretação, requisição ou manutenção da prisão preventiva, visto que aqui não se discute culpa ou dolo pelo ilícito que deu origem ao processo, mas tão somente a existência dos requisitos acima mencionados, que autorizam a prisão preventiva.
O doutrinador Fernando Capez, em sua obra “Curso de Processo Penal”, confirma o exposto acima, asseverando que:
“Sem preencher os requisitos gerais da tutela cautelar ( fumus boni iuris e periculum in mora), sem necessidade para o processo, sem caráter instrumental, a prisão provisória, da qual a prisão preventiva é espécie, não seria nada mais do que uma execução da pena privativa de liberdade antes da condenação transitada em julgado e, isto sim, violaria o principio da presunção da inocência.”
[1]
Percebe-se, então, que a prisão preventiva funciona com a finalidade de prevenção, e não com de punição, que é característica apenas da prisão definitiva.
Em artigo publicado algumas semanas atrás na revista VEJA, por André Petry, “Devaneio das Togas”, edição 43, pg. 95, encontra-se a seguinte fase: “Maluf e seu filho foram soltos porque o ministro Carlos Velloso, do STF, ficou com pena do ex-prefeito. Não é piada. É verdade.”
Nota-se aí a força de um meio de comunicação, que leva a crer que a decretação da soltura do senhor Paulo Maluf não passou de um simples sentimento de piedade, e que ele já estava sendo punido pelo crime que cometera.
Contudo, sabe-se que ainda não houve julgamento, não sendo definitiva, portanto, a prisão do Senhor Paulo Maluf.
Tal prisão se deu de forma preventiva, ou seja, com intuito de prevenir, e não de punir.
Foi decretada pelo juiz de primeiro grau por conveniência da instrução criminal, uma vez que, conforme gravações telefônicas, ele teria coagido uma testemunha, o que é proibido por lei.
Ocorre que o interlocutor nas gravações é réu no mesmo processo, não é testemunha. A lei brasileira não proíbe que co-réus confabulem entre si. Não houve, então, prejuízo à instrução criminal, logo não houve pressuposto de prisão preventiva.
Ao impetrar habeas corpus, o advogado do senhor Paulo Maluf alegou não existir, como anteriormente invocado pela acusação, qualquer dos pressupostos da prisão preventiva, devendo seu cliente ser solto em decorrência disso. A partir do momento que esse pressuposto foi desqualificado e não existia mais qualquer fundamento para a manutenção da prisão, sua soltura foi ordenada.
A jurisprudência respalda esse entendimento, como se depreende, por exemplo, dos julgados do excelso Supremo Tribunal Federal, em habeas corpus 85455 / MT, 1ª Turma, publicado em 17.06.2005 e habeas corpus 83439 / RJ, 1ª Turma, publicado em 07.11.2003, nos quais, ante o princípio constitucional da não-culpabilidade, a prisão preventiva há de ser tomada como exceção, cumprindo interpretar os preceitos que a regem de forma estrita.
Assim sendo, o Ministro do STF, ao ordenar a soltura do Sr. Paulo Maluf, agiu apenas em cumprimento da Lei, e não por dó. Não lhe cabia prisão preventiva. A decisão foi técnica, não política.
O erro, ao se pensar que “bandidos” são libertados mesmo tendo-se a certeza de que cometeram crime, ocorre quando, utilizando-se dos poderes que lhe são conferidos, as autoridades competentes difundem a idéia de que “foi preso porque cometeu crime e deve pagar pelo que fez”, enquanto que, na verdade, “foi preso, em caráter provisório e cautelar, pois preenchia ao menos um dos requisitos da prisão preventiva, descritos no art. 312 do CPP”.
Meios de comunicação utilizam-se desta idéia equivocada e propagam a existência de prisão com caráter punitivo antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, influenciando o público, de maioria leiga, e causando descrença na máquina judiciária do País.
Outro exemplo dessa idéia equivocada a respeito da prisão preventiva ocorreu com a soltura de Suzane von Richthofen e, em seguida, dos irmãos Christian e Daniel Cravinhos, todos acusados de matar os pais da primeira.
Apresentadores de programas, jornalistas, revistas e outros diversos meios de comunicação enfatizavam a irresponsabilidade e a incongruência da autoridade que, cumprindo seu dever, decretou a soltura daquelas pessoas.
Absurdo, entretanto, é o dessas idéias que começam de forma insensata e de maneira completamente leiga, levando a crer que a prisão revogada teria caráter punitivo em virtude do crime cometido; enquanto que, na verdade, tal prisão possui natureza cautelar.
O simples fato de haver indícios da autoria não explica a manutenção ou decretação da prisão preventiva, já que, para tal, o réu deve ser devidamente processado, julgado e condenado. Não pode o réu ser punido antes mesmo do seu julgamento e possíveis recursos.
Nesse sentido, ensina Julio Fabbrini Mirabete:
“AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO LEGAL .A medida excepcional de decretação da prisão preventiva não pode ser adotada se ausente o fundamento legal. Deve ela apoiar-se em fatos concretos que a embasem e não apenas em hipóteses ou conjecturas sem apoio nos autos. Não a permite a simples gravidade do crime, ou por estar o autor desempregado ou por não possuir bons antecedentes. Também não se pode decretar a medida apenas para garantir a incolumidade física do acusado, pois tal constitui desvio de finalidade, cabendo ao estado providenciar segurança com outras medidas”.
[2]
A própria Constituição Federal preceitua a respeito do princípio da inocência, tipificado no artigo 5°, LVII, onde “que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Com isso, antes do trânsito em julgado da sentença irrecorrível, pelo que dispõe a atual ordem constitucional, somente são permitidas prisões cautelares, instrumentais — e somente nos casos excepcionais em que tal medida se mostre necessária.
O que me constrange e me motiva a escrever essas modestas linhas é o fato de autoridades propagarem, equivocadamente, a idéia de que a prisão preventiva possui caráter punitivo; e de os meios de comunicação, utilizando-se de sua influência, inadvertidamente, difundirem ao público leigo opiniões ainda mais equivocadas a este respeito.
Aqueles que não sucumbem ao simples fato de se sentirem pressionados e revogam a prisão preventiva que não possui fundamentos para subsistir, agem com a seriedade que lhe é necessária nesta profissão, mesmo havendo a divulgação errônea sobre este tipo de prisão e o ato da soltura.
Os equívocos devem ser sanados, para que não haja a banalização do poder público e daqueles que lhe depositam confiança.
E assim, não só como advogada, mas também como cidadã, digo que Justiça deve ser feita sim, mas de maneira correta e de acordo com a Lei.
Renata Pimenta de Medeiros
Advogada em Cuiabá-MT.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Saúde na sala de emergência

Na última quinzena, a greve de médicos de alguns estados do nordeste escancarou um problema que requer solução urgente: as debilidades do serviço público de saúde. Se as greves deram visibilidade à questão a realidade é que no cotidiano o povo sente na carne e na alma as conseqüências dessa precariedade do Sistema Único de Saúde (SUS). Mortes que poderiam ser evitadas, sofrimentos imensuráveis que padecem os mais pobres à porta de hospitais sucateados, filas sem-fim de cirurgia que punem com o óbito a paciência e falta de alternativa de milhares.

O Ministro Temporão foi à luta e conseguiu arrancar da Fazenda R$ 2 bilhões que estavam congelados no Orçamento da União. A contenda para liberar esse recurso demorou duas semanas. Tempo demasiado longo para uma situação de calamidade social. O recurso será destinado para atualizar a tabela de consultas do SUS e para a compra de remédios. Especialistas afirmam, todavia, que o dinheiro liberado atenua a crise, mas ela vai continuar.

O SUS é uma das grandes conquistas do povo brasileiro. A demanda a ele apresentada é gigantesca. Por isso, deve ser fortalecido e isso depende de decisão política do governo federal e dos demais entes da Federação. Tais decisões exigem pressão política e mobilização social.

O Ministro Temporão adverte que apenas 9 Estados cumprem o 12% de repasse obrigatório para a saúde. Minas Gerais e Rio Grande do Sul estão bem abaixo disso. São Paulo e Distrito Federal estão no limite. Por isso, o governo Lula pretende regulamentar a Emenda Constitucional 29 que, justamente, obriga os estados a aplicar 12% da arrecadação dos impostos com a saúde.

Todavia, é preciso apresentar ao governo federal um questionamento. O superávit primário (economia que o governo faz para pagar os juros e outros custos da dívida) atingiu nesse mês o montante de R$106, 9 bilhões, o que corresponde a 4,37% do Produto Interno Bruto (PIB). Valor acima da meta que é de 3,8% do PIB. Por que exceder a meta fixada do superávit primário que já é elevada? Acaso não se sabe o custo social, humano, que isso representa?

O SUS precisa ser fortalecido. Sua precariedade provoca a cada dia um ônus imensável à população. O povo e suas organizações e movimentos, o povo e seus partidos e parlamentares, precisam desencadear uma pressão pelo direito à vida, pelo direito do povo a um serviço de saúde eficiente e de qualidade. E o governo precisa lutar para honrar seu compromisso.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Independência ou morte 2007

a bandeira e o povo representam a luta pela dignidade tão sonhada do brasileiro

Não tendo se confirmado a versão de que militares dariam uma ''resposta'' ao livro da Secretaria de Direitos Humanos sobre os crimes da ditadura, o país pode dedicar a Semana da Pátria que se inicia a reflexões mais atuais: como por exemplo o lugar da nação brasileira, e das nações em geral, neste início de século ''pós-globalizado''.

A única manifestação face ao livro foi uma comedida nota do comandante do Exército, general Enzo Martins Peri, observando que ''fatos históricos têm diferentes interpretações, dependendo da ótica de seus protagonistas''. O ministro Nelson Jobim afirmou ao presidente Lula, ''na condição de ministro de Estado da Defesa'', que ''as Forças Armadas brasileiras recebem este ato como ato absolutamente natural. Não haverá indivíduo que possa a isto reagir e, se houver, terá resposta.'' Assim, a suposta crise militar foi como a Batalha de Itararé (um episódio da Revolução de 30): a que não houve.

Já a questão nacional emerge para os brasileiro, civis ou militares, como uma das mais candentes da atualidade. Relança algumas das questões centrais colocadas pelo processo da Independência de 1808-1831). Ao mesmo tempo, renova-as e confere-lhes o vigor das questões candentes.

O processo independentista brasileiro, que se convencionou festejar na data do Grito do Ipiranga (7 de setembro de 1822), é na verdade um encadamento conflituoso de longa duração: começa com a transferência da Corte portuguesa em 1808 e vai até, por ironia, a deposição do autor do Grito, convertido em imperador autocrata e pró-luso, obra do levante popular-militar do 7 de Abril de 1831. Faz parte das Guerras de Independência latino-americanas.

Desta sucessão de rupturas e negociações emerge o Brasil enquanto Estado soberano livre do jugo colonial português: uma grande nação e um grande povo em formação; sob outra ótica, um império escravista, uma economia retardatária e condenada a sucumbir ao domínio neocolonial, que ainda perdura.

Vista de 2007, a questão nacional recobra seu vigor porque o mundo vive sob a ameaça de uma superpotência única – os Estados Unidos – que não oculta sua autodesignada vocação imperial. O capitalismo dos monopólios e dos exércitos made in USA considera-se em guerra global sem fronteiras, ocupa países soberanos, à revelia da ONU, e com isso recoloca na ordem do dia a luta das nações e povos pelo direito à autodeterminação.

O projeto estratégico dos EUA para a América Latina (afora ambições militares, que incluiam até a base de Alcântara no Maranhão) era a Alca, Área de Livre Comércio das Américas: naufragou no rastro da onda antineoliberal no continente a partir de 1998. No vazio provocado por esta vitória, os vitoriosos se dão conta de que o jogo de forças do mundo ''pós-globalizado'' é bruto demais para dar alguma chance a projetos isolados de nações de desenvolvimento precário ou mediano, já que o império estadunidense subjuga até as outras metrópoles do mundo, e o próprio sistema multilateral. Nasce daí o movimento de integração latino-americana, que avança, aos trancos e barrancos como tudo que é grande e importante, em especial na América do Sul.

A integração latino-americana assume neste início de século 21 o mesmo sentido libertário que a independência encarnou duzentos anos atrás. A continuidade é explícita, até porque foi Simón Bolívar, o maior comandante e pensador das Guerras de Independência, quem primeiro inoculou nos latino-americanos o projeto da Pátria Grande.

Contra a integração, trabalham os interesses do império estadunidense, mas também uma grande parte das classes dominantes locais. Formada na tradição colonial, colonizada econômica, política, ideológica e culturalmente, ela forma o partido dos órfãos da Alca. Só concebe o processo oposto, de uma ''integração cucaracha'' (como se chama nos EUA os imigrados latino-americanos), com Washington como capital e Miami por paradigma de civilização. Quando fala em patriotismo, é para fomentar um pseudopatriotismo rasteiro, opondo argentinos a uruguaios ou brasileiros a bolivianos, enquanto se acocora face à superpotência do norte. Dúzias de órgãos de comunicação tradicionais do continente agem como porta-vozes dessa mentalidade.

Mas não são os neocolonizados que estão na ofensiva. A integração continental se impôs, e até as suas turbulências são as de um projeto que tem vigor e futuro. Assim como o rompimento com o domínio colonial no início do século 19, ela ao que tudo indica não irá se consumar em um gesto único, desses do agrado da historiografia oficial. Mas é ela que encarna, em 2007, a essência rebelde do brado de Independência ou morte.