Nascido a 24 de março de 1844, no município vizinho do Crato (CE), desde cedo Cícero Romão Batista - o mito popular mais poderoso no Nordeste do País - gostava de ouvir histórias de santos. Depois de ler um livro sobre São Francisco de Sales, admirado com sua grandeza de espírito, fez voto de castidade. Pouco depois de sair do seminário, em 1870, foi designado pároco de Juazeiro, então um povoado com 12 casebres de alvenaria e uma capela. A rotina pacata de sacerdote no interior evaporou-se com a grande seca de 1889. O inverno não chegava e a população de Juazeiro fazia caminhadas de penitência pedindo a Deus que chovesse. Numa noite de março, o padre convidou os 500 habitantes do povoado para atravessar a madrugada orando e confessando. Às cinco da manhã, Cícero levantou-se do confessionário e foi distribuir a comunhão às oito beatas que permaneciam na igreja. Quando colocou a hóstia na boca da lavadeira Maria de Araújo, viu que a partícula branca começou a se transformar numa pasta de sangue, enquanto a mulher entrava em êxtase e caía desmaiada. No dia seguinte o fenômeno se repetiu. E também em todas as quartas e sextas-feiras, durante dois anos. O sangue que escorria da boca da beata era tanto que o padre o enxugava com os panos do altar. Médicos conceituados na região foram chamados para verificar o caso. Presenciaram o ato e atestaram que Maria de Araújo não apresentava nenhum ferimento na língua, nas gengivas ou na garganta. Daí em diante, Juazeiro tornou-se, definitivamente, um formigueiro humano.
O fenômeno gerou desconforto entre o clero cearense, que em 1894 o proibiu de exercer as funções de sacerdote até que se retratasse. Padre Cícero nunca desmentiu os fatos inexplicáveis. Apesar de ter recorrido à Cúria romana, jamais voltou a celebrar missas. Mas não deixou de ser o guia espiritual de milhares de sertanejos que partiam de todos os cantos do Nordeste com destino a Juazeiro. Padre Cícero passava o dia atendendo os fiéis em sua casa, sempre com a radiola ligada ao fundo, tocando música clássica, e um copo de suco de laranja ou chá de abacate pronto para seu deleite. Às seis da tarde, terminava o expediente com um sermão que reunia centenas de pessoas. A silhueta do padre aparecia na janela e sobressaía à chama de uma lamparina: “Quem bebeu não beba mais; quem matou não mate mais; quem preguiçou não preguice; quem pecou não peque.” Ao toque de suas mãos, reza a lenda, loucos ganhavam lucidez e prostitutas se regeneravam. Seguindo suas recomendações, enfermos se curavam e paralíticos voltavam a andar. “É preciso separar o mito da realidade. Como ele tinha muitos conhecimentos sobre ervas medicinais, recomendava um chá para cada doente e dava certo” disse Generosa Ferreira Alencar, 88 anos, única sobrevivente das dez órfãs que o sacerdote ajudou a criar. “Mas eu mesma testemunhei curas de tumores e paralisia infantil”, completa.
O lendário bastão do Padre Cícero não apontava apenas a saída para os maus caminhos que se apoderavam da vida dos fiéis. Também ditava as regras políticas da região. O religioso ocupou o cargo de prefeito de Juazeiro durante 12 anos. Em 1914 foi nomeado vice-governador do Ceará e, em 1926, elegeu-se deputado federal. “Mas eram seus secretários que governavam. Ele não tinha tempo nem querença pelo poder”, afirma o biógrafo Geraldo Menezes Barbosa, que conviveu com o padre até os dez anos de idade. Fraco e quase cego, embora sempre lúcido e atendendo os romeiros, Padre Cícero morreu a 20 de julho de 1934. Desde então, no dia 20 de cada mês, a população de Juazeiro do Norte se veste de preto em sinal de luto a seu patriarca e eterno conselheiro.
Estive em Juazeiro do Norte, município de 250 mil habitantes no sertão cearense, histórias de milagres não são privilégio dos dois romeiros. Andar pela cidade é um convite para ouvir relatos entusiásticos de graças alcançadas. Padre Cícero é nome de rua, sapataria, armazém, posto de gasolina, empresa de ônibus. Não é para menos. Ali, o religioso viveu durante 62 anos. E transformou-se num verdadeiro mito, atraindo mais de um milhão de fiéis por ano que não poupam sacrifícios para agradecer aos milagres recebidos.
O Coronel de batina
Em 1898, acusado de acobertar falsos milagres e estimular o fanatismo dos fiéis no sertão do Ceará, Padre Cícero teve seus votos sacerdotais confiscados pela Santa Sé. Anos mais tarde, já no fim da vida, chegou a ser punido com a excomunhão.
Há muito o beato do sertão converteu-se numa encrenca para a Igreja. O mito do “padrinho dos pobres” surgiu no Ceará em meados do século XIX. Datam desse período os primeiros relatos sobre um jovem sacerdote que chegava, em lombo de jegue, a lugarejos inóspitos para distribuir comida. Em 1877, o líder carismático, atarracado no físico e desabrido na fala, pregava que a sombra do juazeiro, árvore típica daquelas paragens, era uma bênção dos céus. E o solo onde brota seria a Terra Prometida. Suas palavras traziam alento à região que passava por uma das piores secas da história.
Fatos históricos ilustram a intimidade do religioso com as oligarquias do Nordeste. Juazeiro do Norte, no início do século XX, preparava-se para ter seu primeiro prefeito. Oito famílias dizimavam-se numa briga encarniçada pelo mando político. O “padim” resolveu a parada. Em conchavos com os caciques políticos do Estado, fez-se, ele próprio, prefeito biônico em 1911. Guindado ao cargo mais uma vez, acostumou-se a despachar de casa ou da sacristia – jamais do gabinete. “Era um homem dominador”, afirma o historiador cearense Geraldo Batista. “Estreou na política com a justificativa de que iria terminar com a guerra dos clãs. Tornou-se tão famoso quanto Lampião, o mais temido dos cangaceiros, ou Antônio Conselheiro, o revolucionário de Canudos.”
Na prefeitura, valeu-se de expedientes que, hoje, rendem a suspensão de mandatos coroados no Congresso. Em 1914, ganhou a confiança do teletipista do Crato, cidade vizinha de Juazeiro e sede da diocese. Graças a essa amizade, inaugurou a quebra do sigilo postal. De posse da correspondência trocada por figurões, azucrinou políticos e fazendeiros o quanto pôde. Tramou ao lado dos coronéis para derrubar Franco Rabelo, então governador do Ceará, protegido do presidente Hermes da Fonseca. No confronto, armou jagunços, colocando-se à frente de um exército de esfarrapados que chegou a cavar trincheiras em Juazeiro do Norte.
Populista, Intrasigente e coronel capaz de matar para permanecer no poder. Do outro lado fisiologista de primeira linha presenteava o povo com "esmolas" e se perpetuou até os dias de hoje no imaginário sofrido do sertanejo cearense.
3 comentários:
sua palestra em Juazeiro foi linda
demais inesquecivel
Sua palestra em Juazeiro foi inacreditável. Sua paz, seu aconchego e sua alma linda nos mostrou coisas incriveis me arrepiei naquele momento final com a mensagem de padre tito
E ai rodrigo parabêns por seu susesso em Juazeiro do Norte obrigado por ser tao sincero a respeito dessa cidade.
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