O filme "Tropa de Elite" tem o mérito de mostrar a corrupção policial e o demérito de celebrar a violência extrema. Navega no fio de uma navalha, respingando sangue para todos os lados. Seus expectadores parecem gostar, porém, não é ainda possível avaliar a real repercussão.
Nas normas do fascismo líquido, a acusação de fascista cabe para muita gente e, ao mesmo tempo, para ninguém. Este líquido que corre nas vias de transmissão comunicacional da sociedade brasileira permite que muitos sejam fascistas, sem saber que o são, no compasso de outros que verdadeiramente o são, sabendo o que são e achando que estão cobertos de razão. A tragédia deste novo tipo de politização, que esquece o passado e acha que o presente é o que importa, mantém o mito que as atitudes que vemos no filme Tropa de Elite em nada se assemelham a tão velha SS nazista.
Na verdade, são na origem fascistas todos os que comungaram com a nossa brasileiríssima ditadura militar (1964-1985). Alguns poucos deles fazem parte, infelizmente, da base de apoio do governo Lula. Outros estão no Congresso Nacional e ainda outros estão em inúmeros órgãos públicos civis e militares. Ainda outros, estão fora do Estado, mas pertencem a uma sociedade que tentaram dobrar, torcer e impedir que florescesse. Estão impunes frente a uma Justiça ainda sem equidade e contando com a tolerância de um povo acostumado a perdoar e submisso aos seus desígnios, jamais decididos a partir de suas opções.
Como por aqui não houve a cobrança das responsabilidades pelas mortes, torturas e outros crimes da época, há até quem se diga hoje democrata e busque apagar o seu passado de adesão ao terror de Estado. Infelizmente, existem, outrossim, os convertidos, isto é, os que foram vítimas da ditadura e agora a celebram, como se o passado nada importasse para suas vidas. Esta situação é, por vezes, difícil de compreender e ainda mais de aceitar. Faz parte da geléia geral do Brasil, país com imensas contradições, que não são facilmente assimiláveis por quem pratica o hábito de pensar para além de seu nariz.
Por isto, o Tropa de Elite que pôde ser visto por milhões – graças à pirataria –, e poderá depois ser exibido como troféu pela mídia convencional, vem passando quase incólume por um possível julgamento público de nossa história recente. A miséria, na mesma obra, é vendida como natural, em imagens de impacto radical, sobre as condições de vida dos pobres brasileiros. As pessoas são miseráveis e carentes de tudo e algumas delas transformam-se - não se sabe hipocritamente porquê - em criminosos violentos. Segundo o filme, a solução é matá-las, como exemplo, com o maior requinte de perversidade possível.
A questão dos direitos humanos, de acordo com a mesma argumentação desenvolvida na película, consiste em uma alegação de brancos drogados das classes médias. Nada mais insultante, inverídico e portador de uma imensa intriga, com o claro objetivo de desacreditar os militantes brasileiros e estrangeiros da causa dos direitos humanos.
Combater a corrupção policial seria, segundo o mesmo trabalho, optar pelo Capitão Nascimento, alguém que seria contra a corrupção, mas que volta o seu ódio contra os pobres, sobretudo contra aos jovens ligados ao tráfico de drogas nas miseráveis favelas cariocas. Nenhuma palavra contra o desemprego e a concentração de renda. A solução é apagar a mancha dos poucos que ousam desafiar o poder de Estado, mesmo que de forma alienada e conservadora. A tropa surge como solução ao caos da repressão oficial. Ninguém sabe como ela foi montada e nem por quê. Surgiu, de onde pode se depreender, da ‘banda boa’ da polícia, em contraposição a falada ‘banda podre’.
O filme tem o mérito de mostrar a corrupção policial e o demérito de celebrar a violência extrema. Navega no fio de uma navalha, respingando sangue para todos os lados. Seus expectadores parecem gostar, porém, não é ainda possível avaliar a real repercussão. Calcula-se que pelo menos três milhões que já teriam visto as cópias piratas, amplamente distribuídas pela Internet e que já geraram algumas prisões dos que permitiram a distribuição. E bem possível, que o filme responda aos anseios populares de crítica à corrupção de Estado e ao conservadorismo das classes médias que são bastante seduzidas pelo modelo de violência apregoada na mesma obra. Desde a época da escravidão brasileira, acredita-se na violência extrema como forma de reduzir os mais pobres à condição de mais absoluta submissão. A escravidão acabou em 1888, mas a ordem social brasileira continua se inspirando neste passado dantesco, que durou quatrocentos anos.
Os capitães do mato do passado foram substituídos pelas forças oficiais dos aparatos repressivos do mundo de hoje. O resultado é similar. Será que algum dia, a lógica do escravismo colonial brasileiro será superada? Ou este pesadelo atravessará ainda várias gerações? Confesso ao leitor a minha perplexidade. Não sei responder às questões que coloco para reflexão dos que querem pensar um Brasil mais humano e mais respeitoso dos direitos de sua gente.
quarta-feira, 10 de outubro de 2007
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2 comentários:
Tropa de Elite é muito bom mesmo.
Me impresssiona saber que vivemos naquele país daquela forma, sem segurança nenhuma.
O que me impressiona é que algumas pessoas acham que aquilo não é BRASIl, que aquilo não é POLICIA,que aquilo não é falta de SEGURANÇA,que aquilo não é CORRUPÇÃO.
Alguns temas já foram tratados separados em Carandiru, Cidade de Deus e outros.
Assistam o filme,vale a pena!!!
O filme mostra uma realidade nua e crua. Infelizmente, para muitos parece-me comum apoiar certos tipos de ações policiais.É certo q estamos em guerra e nem dentro de nossas casas estamos seguros mas nada justifica tanta brutalidade. Somos reféns e, algumas vezes, da própria polícia.
Investir mais em educação poderá reverter esse quadro no futuro. Quem sabe essa será a melhor saída para tantos problemas.
Parabéns prof Rodrigo pelo artigo. Ficou muito bom.
Espero revê-lo em breve! Seja bem vindo a Teresina.
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